quinta-feira, 23 de agosto de 2018

ASSOCIAÇÃO NÃO É CONDOMÍNIO

Justiça discute regras para ruas e condomínios


A falta de segurança no país torna cada vez mais comum o fechamento de ruas e os chamados condomínios fechados. O Judiciário está abarrotado de ações questionando a cobrança de serviços de segurança e conservação desses locais por associações das quais nem todos os moradores fazem parte.
No Rio de Janeiro, as associações de moradores costumam alegar que prestam serviços como segurança e conservação do lugar, já que o poder público é omisso. Em São Paulo, sustentam que todos os moradores se beneficiam das melhorias propiciadas pelos serviços, inclusive com a valorização do imóvel. No entanto, os argumentos, que eram encarados como justos pelos tribunais — afinal, se uma pessoa recebe benefícios, em troca, tem de pagar por eles —, começam a sofrer resistência. Moradores que recorrem à Justiça para não serem obrigados a pagar as taxas por serviços que não pediram têm conseguido derrubar as cobranças.
“No início, firmou-se o entendimento de que, mesmo não sendo condomínio sob a lógica da legislação especial de regência, os loteamentos fechados passaram a ter tratamento igual, através de associações constituídas por moradores, obrigando a todos sob o princípio jurídico que repudia o enriquecimento sem causa”, explica o advogado Lauro Schuch.
O consultor legislativo do Senado Federal Bruno Mattos e Silva, que já escreveu diversos livros sobre o tema, explica quais as diferenças entre condomínio e loteamento. O primeiro é um empreendimento, pode ser de casas ou prédios, que dá aos moradores o direito de usar uma área comum. Já o loteamento são diversos terrenos, com ruas no meio (desde que autorizadas pela prefeitura e pelo estado). “Nestes casos, as ruas passam para o domínio do município, assim como as áreas institucionais exigidas pelo poder público.” Aí, começa uma discussão sem fim: se pode ser impedido o livre tráfego na rua desses loteamentos.
Segurança privadaRecentemente, o advogado Lauro Schuch defendeu uma arquiteta em uma ação em que a Associação dos Proprietários de Imóveis do Loteamento Village Marapendi, no Rio de Janeiro, cobrava cotas pelos serviços de segurança, conservação, transporte de balsa, entre outros. Em primeira instância, a juíza Cláudia Pires do Santos Ferreira, da 3ª Vara Cível da Barra da Tijuca, julgou improcedente a ação e suspendeu a cobrança.
“A conduta pró-ativa do cidadão que, diante da omissão do poder público, chama a si a responsabilidade, tomando a iniciativa de suprir o vazio da política urbanística, é louvável, em especial se acompanhada de medidas legais, proporcionando a determinado grupo mais conforto, comodidades e segurança. Mas, não tem o direito nem o poder de onerar terceiros que não querem ou não podem integrar deste movimento associativo”, escreveu a juíza na decisão.
O desembargador Benedicto Abicair, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, já há algum tempo vem adotando esse entendimento. Para ele, é legítimo que grupos se reúnam para cobrar das autoridades públicas que façam o que é obrigação do Estado fazer. O que, segundo Abicair, é ilegal e ilegítimo é obrigar quem não está interessado em participar da associação com contribuições compulsórias.
Em geral, as contestações no Judiciário se referem a cobranças por parte de associações de moradores de áreas nobres das grandes cidades. O desembargador do TJ fluminense costuma comparar as iniciativas dessas associações à atuação das milícias, nome atribuído a grupos que agem em lugares em que o Estado tem dificuldade ou não quer entrar, como no caso das favelas.
Alguns desembargadores, não só da 6ª Câmara Cível do TJ, da qual Abicair faz parte, costumam adotar o mesmo entendimento e aplicam dispositivo da Constituição Federal que diz que ninguém será obrigado a se associar. Outros entendem que o não pagamento implica enriquecimento sem causa, já que os moradores estão se beneficiando dos serviços. Estes costumam aplicar a Súmula 79 do TJ, de 2005, que diz: "Em respeito ao principio que veda o enriquecimento sem causa, as associações de moradores podem exigir dos não associados, em igualdade de condições com os associados, que concorram para o custeio dos servicos por elas efetivamente prestados e que sejam do interesse comum dos moradores da localidade".
Lei das ruas
Em São Paulo, o Tribunal de Justiça já foi até provocado a se posicionar sobre a constitucionalidade da Lei municipal 8.736/96, de Campinas, que dá ao prefeito poder de autorizar o fechamento do tráfego de veículos nas ruas de loteamentos residenciais fechados, por meio de decreto-lei. Em 2003, o Ministério Público entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 65.051 no TJ paulista, alegando que as vias de acesso deveriam ser abertas a todas as pessoas, moradoras ou não do condomínio, por serem propriedade pública de uso comum do povo.
Na época, os desembargadores não acolheram os argumentos do MP e decidiram pela legalidade da norma municipal. Em contrapartida, a responsabilidade pela construção de portarias, limpeza, conservação de ruas e coleta de lixo ficou a cargo de associação de moradores da região. 
Três anos depois, em 2006, foi a vez do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entender pela constitucionalidade dos artigos 38 a 48 da Lei Complementar 246/05, de Caxias do Sul (RS). A lei também estabelece a possibilidade de loteamentos fechados por muro, cerca ou grade, mantendo controle ao acesso dos lotes.
“No Rio de Janeiro, há uma lei municipal que permite, em determinados logradouros sem grande circulação e que não servem de ligação, a colocação de cancelas com controle de abertura, sem que isso signifique o impedimento de circulação por quem queira transitar pela via, desde que previamente autorizado pela prefeitura, e obedecidos determinados padrões”, afirma Schuch. Entretanto, o advogado constata que, na prática, ocorre o inverso, com o fechamento de áreas em todo o perímetro, onde se formam os chamados condomínios atípicos, com cobranças “abusivas e obrigatórias”.
Bruno Mattos e Silva afirma que existem quatro posições a respeito do tema: três a favor da legalidade dos condomínios fechados e uma contra, com o argumento de que as ruas são de uso comum e não devem ser fechadas “O Brasil tem o mundo das leis e dos fatos. O que tem prevalecido é a constitucionalidade das leis municipais que disciplinam os condomínios como se fossem prédios na horizontal.”

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